São Paulo – Se recentemente você ligou para o convênio médico para pedir autorização de um exame, ou ligou para o banco para reclamar de alguma possível fraude bancária, ou de uma taxa indevida, ou telefonou para o provedor de internet para pedir assistência técnica, é muito provável que tenha sido atendido por um médico, advogado, analista financeiro ou técnico em informática.
Atualmente esses profissionais são alvo das empresas de call center. Esse segmento emprega quase 400 000 pessoas em todo o país. As companhias que se tornaram populares por contratar adolescentes com nível médio, e também por ferir os ouvidos de seus interlocutores com o excessivo uso do gerúndio, agora estão contratando mão de obra de nível superior.
A estimativa é que o setor cresça em torno de 10% neste ano e que essa nova demanda por profissionais mais qualificados aumente, aproximadamente, 15% nos próximos três anos.
Essa indústria mudou, muitas organizações que nasceram como call center passaram a oferecer novos serviços a seus clientes e até mudaram o nome para contact center. Com isso veio a necessidade de mão de obra mais específica.
A tecnologia também ajudou, transferindo para a internet e sistemas de autoatendimento a resolução de questões mais simples para o consumidor. Se antes era preciso falar com um atendente para desbloquear uma linha telefônica, hoje isso é feito por um sistema de atendimento automático.
“Quando o telefone toca em uma das nossas centrais é uma situação mais complexa, de alguém que não conseguiu resolver o problema por vias normais e precisa ter do outro lado da linha um profissional que o entenda e resolva.
Seguir uma lista de respostas-padrão já não funciona”, diz Maria Aparecida Garcia, diretora de talentos humanos da Algar Tecnologia, de Uberlândia, Minas Gerais. “A exigência do cliente hoje é maior. Ele não tolera ter alguém que não saiba do que se está falando nem consiga resolver a questão de forma rápida.”
Maria da Graça Bittar Amaral é médica pediatra e sabe bem o que é resolver problemas que mexem com a vida dos outros. Ela coordena 14 pessoas na seção de regulação e auditoria na Algar Tecnologia e é quem autoriza a realização de consultas, internações e exames mais complicados de três operadoras de planos de saúde, enquanto o paciente aguarda do outro lado da linha.
“Eu preciso conhecer a legislação e as regras de cada operadora para tomar minha decisão na hora”, diz Graça, que não revela a idade, mas assume que está acima da faixa etária imaginada para quem trabalha em um call center.
Apesar dessa transição já estar em curso há algum tempo, Nelson Armbrust, diretor-geral da Atento Brasil, faz um mea-culpa pela imagem do setor ainda estar muito associada à mão de obra não qualificada. “Não conseguimos mostrar à sociedade o quanto o segmento mudou”, diz Nelson. “Mais de 80% dos serviços que prestamos hoje são feitos em mais de um canal — telefone, chat, e-mail, mídia social, vídeo. E quando se fala em serviços de multicanal precisa-se de profissionais com outros níveis de formação, inclusive superior.”
Segundo Nelson, o crescimento desses serviços não tradicionais vai ser duas vezes maior do que o aumento dos serviços tradicionais de atendimento ao consumidor (SAC) e vendas.
Willyan Moura, de 28 anos, não conhecia esse mercado de call center quando resolveu trocar a consultoria Accenture pela Atento. Achou estranho o convite de uma colega que tinha ido para lá pouco antes dele.
“A minha referência era de que as empresas realizavam apenas serviços por telefone. Não sabia da gama de produtos e serviços que é oferecido”, conta Willyan, que atua como consultor de planejamento estratégico e enxerga no mercado uma boa possibilidade de fazer carreira.
Valter Domingues, de 30 anos, também foi trabalhar no setor sem conhecer as oportunidades. Ele começou como atendente na Contax por acaso. “Eu estava desempregado e resolvi fazer um curso de informática. Quando acabei, me indicaram para uma vaga aqui na Contax”, diz Valter. Seu gosto por pessoas facilitou as coisas. “Como nossa matéria-prima é gente, foi fácil.” Ele fez faculdade e hoje é coordenador de RH.
Prata da casa
Mesmo com tudo isso, as empresas encontram dificuldade em captar profissionais no mercado e optam por formar internamente, investindo na capacitação e no treinamento desse pessoal. A Algar, por exemplo, ficou por seis meses com uma vaga aberta de engenheiro em ciência da computação no Rio de Janeiro, no ano passado. “Resolvemos, então, formá-lo”, diz Maria Aparecida Garcia, da Algar Tecnologia, cuja maioria dos executivos começou em atendimento.
Os investimentos em treinamento podem variar — 8 milhões de reais na Algar; 20 milhões de reais na Atento; até 45 milhões de reais na Contax. “O nosso sex appeal é a formação de pessoas e por isso investimos tanto nelas”, afirma Michel Sarkis, presidente da Contax, que faz questão de ressaltar as oportunidades de crescimento na carreira que companhias do ramo oferecem.
Segundo Michel, 100% dos seus supervisores vêm de dentro da empresa, enquanto 50% dos coordenadores e quase 70% dos gerentes vêm do mercado.
Um dos reflexos na mudança desse perfil de profissional é a retenção. Em geral, enquanto a média de turnover nas áreas operacionais gira em torno de 6% ao mês, nas áreas administrativas, de suporte, técnicas e em cargos de liderança esse índice está em 1% ao mês.
Para quem ainda olha o setor com desconfiança, Nelson Armbrust, da Atento, diz que esse é um dos poucos lugares onde um profissional tem condições de entender de praticamente todas as indústrias. “Aqui, se quiser não há rotina e é possível virar um expert na indústria de cartões, seguros, bebidas, tecnologia”, afirma Nelson Armbrust.